Agora vai...
Já me perdi tantas vezes a pensar nestes últimos sete meses que tudo o que transmita agora em palavras são apenas sentimentos muito refinados...
O primeiro emprego. A montanha de expectativas, a noção de que bláblá a vida não está fácil e de que ser um psicólogo desempregado nos dias de hoje é quase um pleonasmo, por isso tinha muita sorte por ter aquela oportunidade.
16 de Agosto, o primeiro dia. Tempo de chuva depois de um verão calorento. E eu, que tenho (tinha), a mania que não choro, transformei-me num pranto. Agora, olhando para trás, não percebo porque não desisti logo ali. Ah pois, não podia! Porque tinha assumido que sim, que ía. Porque não podia vir embora assim, quase sem entrar, porque as coisas podiam vir a mudar, ou podiam não ser tão más como pareciam.
Mas eram mesmo. E foram tantos os choques com o mundo de trabalho, os confrontos com pessoas ignorantes e prepotentes (mistura explosiva!)... Tantos os questionamentos, numa fase em que a identidade profissional ainda é algo tão frágil e permeável como uma escultura de areia. E a angústia miudinha que nos acompanha, numa idade em que todos os caminhos parecem possíveis mas ao mesmo tempo utópicos, e em que cada escolha é acompanhada pela responsabilidade de quem sente que há passos que determinam não só o presente mas também muito do futuro.
A par de tudo isto... o contacto com a população em si. O confronto com realidades que sempre tive noção que existiam, mas que nunca tinha sentido assim, à minha frente, nas minhas mãos... Crianças mal tratadas, famílias a viver em barracas, mães sozinhas com três filhos a viver com 200 euros por mês, pais alcoólicos, mães negligentes, mães a manterem-se vivas para fazerem sobreviver os seus filhos, desemprego desemprego desemprego, drogas, absentismo, gravidezes precoces. E tudo isto junto, na entrada 17, na 19 e na 21, no rc, no 1º andar e no 2º… Como se encontrar uma família sem um drama, uma problemática, fosse tão raro como encontrar ouro…
Sentir impotência ao ver que os ciclos perduram, quando numa família disfuncional, o filho de 16 anos sabe que vai ser pai. Ou quando se percebe que um pai passa meses e meses sem conseguir arranjar emprego e se vê “tentado” a traficar para conseguir sustentar a família. Quando se vê o desemprego, a baixa escolaridade, o absentismo, o insucesso escolar a percorrerem as várias gerações de famílias como se fossem ciclos impossíveis de romper. Quando se tem que aceitar que há filhos que deixam idosos a passar fome, a viver no meio do lixo e a morrer sozinhos e cresce em nós a descrença de que o mundo possa ser um lugar feliz.
Mas foi tudo isto, o que pode parecer apenas miséria, que constituiu a maior riqueza. Porque de cada uma destas pessoas retirei autênticas lições, e porque fazer algo por estas pessoas é extremamente gratificante.
Nos primeiros meses quase não conseguia abrir a carteira. Comparando com o que via à minha frente, quase tudo o que tinha em termos materiais passou a ser sentido como luxo, supérfluo e dispensável. Sentia revolta por perceber mais do que nunca (talvez ate mais do que queria…) que a inclusão é uma treta bem disfarçada. Porque há grupos de pessoas que nós nem vemos, porque essas pessoas nem sequer têm possibilidades de frequentar os sítios que nós frequentamos. Porque enquanto eu estou aqui sentada ao computador a escrevinhar no blog, a espreitar um jornal americano on-line e a consultar uns estudos realizados no Brasil, há pessoas para quem “ir ao Porto” é um acontecimento, e para quem comprar uma senha de autocarro significa não ter dinheiro para comprar pão nesse dia. Porque enquanto temos o desplante de encher a boca com um “oh não, bifes outra vez?!?”, há pessoas que pura e simplesmente não se lembram o que é comer carne. Por isso estes meses foram também muitos murros no estômago, muitos baldes de água fria (gelada!), mas, mais uma vez, lições ímpares. E indignação, com as pessoas que podem de facto mudar algumas políticas, ajudar estes contextos a sofrerem transformações e a desenvolverem-se, mas se limitam a amparar a pobreza. Como que deixa cair uma moedinha no chapéu do pedinte e sente aquela gratificação de quem já fez a sua parte. Como se não fossem atitudes destas que fazem com que o pobre se mantenha pobre e dependente dos outros.
O primeiro emprego. A montanha de expectativas, a noção de que bláblá a vida não está fácil e de que ser um psicólogo desempregado nos dias de hoje é quase um pleonasmo, por isso tinha muita sorte por ter aquela oportunidade.
16 de Agosto, o primeiro dia. Tempo de chuva depois de um verão calorento. E eu, que tenho (tinha), a mania que não choro, transformei-me num pranto. Agora, olhando para trás, não percebo porque não desisti logo ali. Ah pois, não podia! Porque tinha assumido que sim, que ía. Porque não podia vir embora assim, quase sem entrar, porque as coisas podiam vir a mudar, ou podiam não ser tão más como pareciam.
Mas eram mesmo. E foram tantos os choques com o mundo de trabalho, os confrontos com pessoas ignorantes e prepotentes (mistura explosiva!)... Tantos os questionamentos, numa fase em que a identidade profissional ainda é algo tão frágil e permeável como uma escultura de areia. E a angústia miudinha que nos acompanha, numa idade em que todos os caminhos parecem possíveis mas ao mesmo tempo utópicos, e em que cada escolha é acompanhada pela responsabilidade de quem sente que há passos que determinam não só o presente mas também muito do futuro.
A par de tudo isto... o contacto com a população em si. O confronto com realidades que sempre tive noção que existiam, mas que nunca tinha sentido assim, à minha frente, nas minhas mãos... Crianças mal tratadas, famílias a viver em barracas, mães sozinhas com três filhos a viver com 200 euros por mês, pais alcoólicos, mães negligentes, mães a manterem-se vivas para fazerem sobreviver os seus filhos, desemprego desemprego desemprego, drogas, absentismo, gravidezes precoces. E tudo isto junto, na entrada 17, na 19 e na 21, no rc, no 1º andar e no 2º… Como se encontrar uma família sem um drama, uma problemática, fosse tão raro como encontrar ouro…
Sentir impotência ao ver que os ciclos perduram, quando numa família disfuncional, o filho de 16 anos sabe que vai ser pai. Ou quando se percebe que um pai passa meses e meses sem conseguir arranjar emprego e se vê “tentado” a traficar para conseguir sustentar a família. Quando se vê o desemprego, a baixa escolaridade, o absentismo, o insucesso escolar a percorrerem as várias gerações de famílias como se fossem ciclos impossíveis de romper. Quando se tem que aceitar que há filhos que deixam idosos a passar fome, a viver no meio do lixo e a morrer sozinhos e cresce em nós a descrença de que o mundo possa ser um lugar feliz.
Mas foi tudo isto, o que pode parecer apenas miséria, que constituiu a maior riqueza. Porque de cada uma destas pessoas retirei autênticas lições, e porque fazer algo por estas pessoas é extremamente gratificante.
Nos primeiros meses quase não conseguia abrir a carteira. Comparando com o que via à minha frente, quase tudo o que tinha em termos materiais passou a ser sentido como luxo, supérfluo e dispensável. Sentia revolta por perceber mais do que nunca (talvez ate mais do que queria…) que a inclusão é uma treta bem disfarçada. Porque há grupos de pessoas que nós nem vemos, porque essas pessoas nem sequer têm possibilidades de frequentar os sítios que nós frequentamos. Porque enquanto eu estou aqui sentada ao computador a escrevinhar no blog, a espreitar um jornal americano on-line e a consultar uns estudos realizados no Brasil, há pessoas para quem “ir ao Porto” é um acontecimento, e para quem comprar uma senha de autocarro significa não ter dinheiro para comprar pão nesse dia. Porque enquanto temos o desplante de encher a boca com um “oh não, bifes outra vez?!?”, há pessoas que pura e simplesmente não se lembram o que é comer carne. Por isso estes meses foram também muitos murros no estômago, muitos baldes de água fria (gelada!), mas, mais uma vez, lições ímpares. E indignação, com as pessoas que podem de facto mudar algumas políticas, ajudar estes contextos a sofrerem transformações e a desenvolverem-se, mas se limitam a amparar a pobreza. Como que deixa cair uma moedinha no chapéu do pedinte e sente aquela gratificação de quem já fez a sua parte. Como se não fossem atitudes destas que fazem com que o pobre se mantenha pobre e dependente dos outros.
Enfim... já me estou a prolongar demasiado...
Um professor da faculdade dizia-me a semana passada "pois, compreendo que tenha tomado essa decisão, trabalhar com essas populações é muito dificil". Respondi-lhe prontamente que difícil era lidar com as outras pessoas, as de cima, os chefes, sub-chefes, coordenadores e assim. Era a falta de abertura, a ignorância deles, que era profundamente limitadora e desgastante. E foi isso que me fez tomar a decisão que há muito se prolongava - despedir-me! E ao fazê-lo, um peso enorme saiu automaticamente dos meus ombros e um sorriso e uma nova disposição voltaram a aparecer!
Podia-vos dizer o que vou fazer a seguir, mas a verdade é que sou supersticiosa no que toca a só falar depois de ter as coisas como certas. Por isso vou ter que manter o mistério por mais uns dias...
“o que não nos mata torna-nos mais fortes”
5 comentários:
todos nós temos dúvidas...todos nós procuramos respostas...no fundo, acho que fiquei contente ao ler este teu post por me ter lembrado que ainda existem pessoas boas no mundo...tu és uma delas.
"Aquele que salva uma vida, salva a humanidade" in A Lista de Schindler
Ser feliz naquilo que se faz no trabalho é imperativo. A tua escolha foi no mínimo acertada porque devolveu-te o teu sorriso.
Mojo Pin
Eu sei o que falas, mas é a vida e temos que ser fortes...ainda na sexta-feira fiz um domicílio e vim de lá um pouco abalada...mas a vida continua e sei que o pouco fiz teve algum impacto. Também já tive alguns problemas com as tais pessoas com ideia que são superiores, não dentro da associação, mas uma professora de uma escola...e fiquei revoltada. Mas há pessoas que não conseguimos mudar. Temos que marcar um cafézinho:)*
2:43 PM
Minha querida Mojo Pin, acredita que essas situaçoes, por muito delicadas, eram o que me dava força e animo para ir trabalhar, dia apos dia, porque acredito mesmo que essas vidas se podem alterar se lhe forem dados os recursos necessarios.
O que custou realmente foi lidar com politicas que nao compreendo, e com pessoas que dao a cara e passam a imagem de que ajudam mas que no fundo se limitam a manter cada pessoa na classe social a que ela "pertence", sem fazer nada que ajude realmente a mudar vidas.
Acabei por misturar tudo isso no post para alem de dar de caras com isto, todas as outras aprendizagens foram tambem muito ricas, e fizeram com que nestes meses eu andasse num alvoroços de sentimentos e emoçoes, a tentar (re)definir visoes em relaçao a mim como pessoa e profissional, aos outros, ao mundo, ao sentido de tudo em geral. Por isso digo que tive tantas coisas que gostaria de ter partilhado aqui, tantas duvidas, angustias, constatações, mas o alvoroço era muito, e quando assim é cedo demais para "pôr para fora".
Mas sei que ficou tudo cá dentro, comigo, e espero que todas essas coisas vao surgindo naturalmente daqui para a frente... beijos
"o que não nos mata torna-nos mais fortes" - nunca te esqueças...
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